Tradução: Luís Paixão
Originalmente publicado em: 2009-05-04
Na Religião, graças à repetição constante dos rituais complexos transmitidos de geração em geração, as emoções são naturalmente postas sobre controlo e o sentimento religioso expande-se. Este aspeto não é apenas sensível ao crente mas abrange também o observador. Um movimento executado segundo uma etiqueta rigorosa reforça a estabilidade do espírito e põe a agressividade sobre controlo, estabelecendo a calma. Acontece o mesmo no mundo do Budo, para o que se produz no Dojo. A eficácia que decorre naturalmente é sensível tanto ao praticante como ao observador e, ao mesmo tempo eles são impregnados da ambiência veiculada pela tradição. É preciso portanto entregar-se à prática sem interrupção para pôr sobre controlo as emoções menos desejadas no que diz respeito ao Budo: o medo, a loucura, a falta de consideração pelos outros, a inflação do ego, e progredir corpo e espírito. Aqueles que sobreviveram depois de se terem aventurado na fronteira entre a vida e a morte não tinham à sua disposição apenas uma boa técnica. Eles tinham sobretudo um juízo lúcido das situações tornado possível pela calma, a serenidade e o sangue frio que os habitava. O que permite passar ao ato com a determinação necessária. Esta atitude que se situa muito exatamente nas antípodas das bravatas dos mata-mouros e da sua sobre-excitação emocional. Verdadeiramente fazer progressos, tornar-se forte consiste em desenvolver essa calma e essa determinação interior muito mais do que adquirir uma técnica.
Na medida em que nós somos humanos, não devemos desejar viver num mundo onde as crianças são acarinhadas?
Para construir uma sociedade sobre o mútuo respeito, que diríeis de trazer á luz essa etiqueta que alguns quiseram rejeitar como um velho móvel inútil mas que contudo faz parte da herança comum da humanidade?
Tomemos o simples facto de arrumar bem os sapatos, ele obriga-nos a classificar e arrumar e faz – nos sentir a satisfação que resulta daí e a importância desse estado de espírito. Concretizar cuidadosamente um ato é já preparar as condições favoráveis á concretização do ato seguinte e por isso praticar o Budo.
O mundo do rei (etiqueta) não visa apenas à obtenção de uma satisfação pessoal. A satisfação que os outros sentem também faz parte. O desenvolvimento da consciência estética cria a necessidade de arrumar mesmo os sapatos dos outros se eles não estão no lugar próprio.
Se o espírito de gratidão em relação ao kohai se exprime apenas por este pensamento “Obrigado por me teres permitido de trabalhar bem hoje”, o kohai ficará contente. Do mesmo modo, se nós agradecermos ao senpai ele também ficará contente. A etiqueta como todas as coisas, deve ser elaborada em si próprio quer dizer que o espírito deve impregnar todos os gestos. É grotesco ter que dizer “Respeitem-me que eu sou o vosso senpai”, ”Ponham-me num pedestal que eu sou o vosso mestre”. O respeito em relação ao senpai não deve ser provocado, o kohai deve naturalmente ter desejo de respeitar o senpai. O senpai é diligente para com o kohai porque este ocupa o lugar que é o seu e merece por isso que cuidem dele. O espírito de gratidão, de respeito, de reconhecimento quando impregna a etiqueta, é sentido naturalmente pelo outro.
A etiqueta rege deste modo as mútuas relações. A hierarquia é posta naturalmente a funcionar quando a etiqueta é respeitada. É preciso que a etiqueta seja a expressão da humanidade do coração. Não é suficiente sujeitar-se apenas à forma. Se o coração não for habitado pelo respeito, a forma não será mais que uma concha sem alma. É preciso respeitar a personalidade do outro. Os atos que estejam de acordo com as regras da etiqueta geram um coração puro e uma atitude nobre. Inclino-me a pensar que este sentido de compaixão está simplesmente ligado à harmonia e à paz.
É preciso que graves isto no teu espírito para transmitires a etiqueta e a disciplina.
Tradução das páginas 36 e 27 de Aikido: Etiqueta e transmissão