Apresentação: Roque Oliveira
Originalmente publicado em: 2009-05-04
Foi necessário esperar mais de um século para que o livro do ilustre japonês Inazo Nitobé (1862-1933) conhecesse a sua tradução portuguesa. Esta primeira edição dada ao prelo pela Esfera do Caos em 2008, surgiu no mesmo ano em que, a 21 de Junho, no Convento da Arrábida, a mestre de Kyudo Maki Kudo realizou pela primeira vez em Portugal um tiro ritual designado Hikime. Uma cerimónia integrada nas Conferências sobre Budo no VI seminário da Associação Portuguesa de Kyudo.
Este texto singular constitui-se como referencial da ética das artes do Budo. Apresenta um discurso eclético e referente às virtudes que fizeram dos Samurais os construtores da ordem e da prosperidade do Japão medieval.
“A educação e formação de um samurai.
O primeiro ponto a observar na pedagogia cavalheiresca tem que ver com o construir do carácter, deixando na sombra as faculdades mais subtis da prudência, inteligência e dialética. Vimos o papel importante que as relações estéticas desempenharam na sua educação. Indispensáveis como eram para um homem de cultura, eram mais acessórias do que indispensáveis para a formação de um samurai. A superioridade intelectual era, obviamente, prezada; mas a palavra Chi, que era empregue para denotar intelectualidade, significava sabedoria, em primeira instância e só atribuía ao conhecimento um lugar muito subordinado. O tripé que suportava a estrutura do Bushido era designado como Chi, Jin, Yu, respetivamente Sabedoria, Benevolência e Coragem. Um samurai era essencialmente um homem de ação. A ciência estava fora do âmbito da sua atividade. Aproveitava-se dela até onde se referisse à sua profissão de armas. A religião e a teologia eram relegadas para os sacerdotes; ele preocupava-se com elas na medida em que ajudassem a alimentar-se de coragem. À semelhança de um poeta inglês, o samurai acreditava que “não é o credo que salva o homem; mas é o homem que justifica o credo”. A filosofia e a literatura constituíam a parte principal da sua formação intelectual; mas mesmo na procura destas, não era a verdade objetiva que ele buscava – a literatura era procurada sobretudo como um passatempo, e a filosofia como um auxiliar prático na formação do carácter, se não para a exposição de algum problema militar ou político.
Do que foi afirmado, não será surpreendente notar que o círculo de estudos, de acordo com pedagogia do Bushido, consistisse essencialmente no seguinte: esgrima, arco e flecha, jiujutsu ou yawara, equitação, o uso da lança, táctica, caligrafia, ética, literatura e história. …”
Transcrição do capítulo 10 – páginas 95 e 96 de Bushido – A Ética dos Samurais e a Alma do Japão